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O Caduceu Não é da Medicina: Como o Símbolo da Contabilidade foi Usurpado

Por Constantino Oliveira


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O capítulo 2 do livro À sombra do plátano: crônicas de história da medicina, de Joffre Marcondes de Rezende, é uma leitura indispensável para quem deseja compreender a polêmica em torno dos símbolos usados pela medicina. Rezende mostra que, historicamente, o verdadeiro símbolo médico é o bastão de Asclépio, um cajado simples com apenas uma serpente enrolada. Esse bastão, ligado ao deus grego da medicina, representa a cura, a observação clínica e o nascimento da medicina racional na Grécia. Contudo, a confusão se instaurou quando, em diversos momentos da história, o caduceu de Hermes, símbolo do comércio, passou a ser erroneamente adotado como representação da medicina.


Segundo Rezende, o erro tem origens múltiplas: desde associações equivocadas entre Hermes e deuses egípcios, passando pela literatura hermética e até pela difusão promovida por editores renascentistas que utilizaram o caduceu em publicações médicas. Mais tarde, o exército norte-americano consolidou essa confusão ao adotar o caduceu como insígnia de seu corpo médico, ignorando que a tradição médica grega sempre esteve associada ao bastão de Asclépio. Essa decisão, motivada mais por estética e desconhecimento do que por fundamentos históricos, espalhou pelo mundo um símbolo inadequado, reforçando a mistura de funções entre medicina e comércio.


É justamente nesse ponto que surge a questão central para os contadores: o caduceu de Hermes sempre foi símbolo do comércio. Hermes (ou Mercúrio, na mitologia romana) era o deus dos negociantes, dos viajantes e até dos ladrões. Seu emblema, com duas serpentes e asas, foi utilizado durante séculos em escolas de comércio, associações mercantis e escritórios de contabilidade. Ou seja, quando vemos faculdades de medicina e cursos da área utilizando o caduceu como insígnia, estamos diante de um duplo erro: um equívoco histórico e uma apropriação de um símbolo que pertence, com muito mais coerência, às ciências econômicas e contábeis.


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Rezende chega a citar autores que ironizam essa escolha equivocada. Tyson, em 1932, afirmou que o símbolo adotado pela medicina era, na realidade, “o do deus dos ladrões”. Outros críticos foram ainda mais duros: para Nichols, em 1996, apenas os mais cínicos poderiam achar apropriada a associação dos médicos com Hermes, já que isso sugeriria interesse excessivo em ganhos financeiros. Para os profissionais da Contabilidade, essa crítica reforça a ideia de que o caduceu não apenas não pertence à medicina, como já carrega uma tradição legítima em nosso campo, ligada à lógica do comércio, das finanças e da gestão.


É importante notar que, no Brasil, prevalece entre médicos a utilização correta do bastão de Asclépio. A Associação Médica Brasileira e diversas faculdades de medicina mantêm esse símbolo, reforçando o vínculo com a tradição grega. Ainda assim, como ressalta Rezende, a mídia e algumas universidades insistem no erro, propagando o caduceu em contextos médicos, seja por ignorância, seja pela importação acrítica de padrões norte-americanos. Essa apropriação indevida confunde a sociedade e fragiliza a identidade simbólica de duas áreas distintas: a medicina e a contabilidade.


Para os cursos de Contabilidade, o caduceu tem valor histórico e conceitual. Ele expressa o dinamismo do comércio, a intermediação das trocas, a velocidade das transações, todos elementos que fazem parte de nossa área de atuação. Ao permitir que a medicina use esse símbolo de maneira equivocada, abre-se espaço para distorções que prejudicam a compreensão pública tanto de nossa profissão quanto da história da medicina. Não se trata apenas de estética: trata-se de preservar significados que são construídos culturalmente e que carregam narrativas identitárias profundas.


Concordando com a análise de Joffre Marcondes de Rezende, é urgente que as faculdades de medicina esclareçam seus estudantes e a sociedade sobre qual é, de fato, o verdadeiro símbolo da profissão. O bastão de Asclépio, com sua única serpente, representa cura, sabedoria prática e compromisso com a vida. O caduceu, por outro lado, deve ser preservado em seu lugar original: o da Ciências Contábeis, onde encontra ressonância histórica e conceitual. Reconhecer essa distinção é honrar não apenas a tradição médica, mas também a trajetória da Contabilidade como campo do conhecimento.


Referência:

REZENDE, JM. À sombra do plátano: crônicas de história da medicina [online]. São Paulo: Editora Unifesp, 2009. O símbolo da medicina. pp. 19-30. ISBN 978-85-61673-63-5.

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